domingo, 10 de agosto de 2008

Rasuras e rascunhos

Que permaneçam assim, inabalados: A caneta e o destino, a idéia e o papel amassado. Dos momentos que nos fazem, boa parte desse tempo é um esboço do que não sabemos. O futuro a quem pertence? O que somos senão o próprio rascunho que finge que não é a arte definitiva. O que somos senão a rasura que não se apaga, o rabisco que o corretivo da vida não nos deixa passar em branco. Uma pedra preciosa que o tempo lapida, embora há algo intrínseco que nos faz iludir que a matéria já está esculpida. Uma bobagem. O futuro ao tempo pertence. Um quadro em branco cujas pinceladas que o atinge, colorem nossos sonhos e desenham nossos limites. Uma palavra nova que aprendemos e depois repetimos para torná-la natural, tal qual será natural o porvir de um novo ser comum. Uma caneta e uma idéia fazem o simples desejo virar panacéia, brotam o lírio no brejo, o sal na colméia e a referência do que é agradável é baseada no gosto do beijo. Por que não acreditar que um papel e um destino nos norteiam para o sul, fazem do inferno um lugar bom e o céu enjoar do azul? Um rasuro do que somos é a tentativa disfarçada de segunda chance que não teremos para causar uma boa primeira impressão. Portanto, deixemo-nos ser rasuras sinceras. Explicitemo-nos. Sonhemos. Fechemos os olhos e deixemos sob responsabilidade da vida as conseqüências do que, porventura, seja, por equívoco, rasurado em nós.

sábado, 2 de agosto de 2008

Um qualquer

Um ser errante sem intenção de errar. Acho isso bonito. Errar um erro desimportante, um erro que seja só seu, que só atinja a si, um erro descrente, inocente, sem amém, sem além, um erro sem perdão. Porque não haverá quem o crive, pois não será notado, o erro será só seu, sem intenção. Um daltônico na mesa de bilhar. Ser um ser que não espera, nem o pior nem o melhor. Simplesmente um ser que não espera. Ser imperativo, hiper-ativo. Faça, diga, bata, tente, seja...Um Zé qualquer que não acredita que a dama de copas surja como mágica no baralho da cartomante. Um João amigo do Zé que critica a vã manifestação de fé. Que põe as cartas do seu próprio jogo e joga só por jogar, pois esse João ou Zé, erra, não espera, ele é. Não quer chamar atenção e nem dá atenção para o tipo de gente que o faz. Ele furta dos autores dos livros que ele gosta de ler, tudo o que lhe convém, tudo que lhe faz bem. Bate palma errada na roda de samba na pretensão de compassar, canta baixinho um sambinha antigo só pra ser mais uma voz. Só pra isso. Um sujeito desses que surge numa esquina, dá um gole de cachaça, observa a lua, ri dos bêbados transeuntes da madrugada e chora depois, sem motivo. Desconexo, sem alarde, sem intenção de errar e que tem a certeza que o baralho da cartomante não é mágico o suficiente para adivinhar a carta que o seu ceticismo embaralha na cabeça.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Esse sou eu hoje (abril de 2008)

Sou publicitário, mas ainda não atuo na área diretamente. Perguntam se tenho experiência. Bom, pelo que segue dá pra saber um pouco de mim e do que já fiz. Acabei o curso de inglês e sinto falta de conversar com alguém nessa língua, meu humor às vezes não me faz rir, rio quando não devo, bebo quando não posso e tento ser honesto. Corrompo meus sentimentos, transito por onde eu erro, repito e depois soletro, omito e minto aos berros, carinhos: Se os dou ou se os recebo, penso que são sinceros. Mascaro pra quem não gosto, mudo de opinião pra não discutir, discuto e bato o pé para os mais próximos, relevo sob apelo, não, relevo porque sou otário, mas relevo. Acredito no conto do vigário, reivindico quando estou certo, tolero quando tenho saco, trabalho porque não sou rico, estudo pra ter mais chance, ouço músicas e acho que são minhas, escrevo um soneto sem graça, leio pra ver se ignorância passa, passa nada, nunca passa, ainda bem. Fadigo por qualquer motivo, não bebo com qualquer um, com os amigos bebo qualquer coisa, e depois de uns bons anos tentando, aprendi até a gostar de cerveja. Já quis levar vantagem, encho o bolso das roupas com lixo pra jogar no lixo de casa, já quis ser jogador de futebol quando jogava descalço na rua, desejei a vizinha nua, fiz pirraça pra não comer feijão, ri das pernas do anão, dei trote em toda família, chorei quando perdi a menina e quando o Flamengo perdeu, dormi com o pé sujo, descobri o desejo, estranhei alguns beijos e vi meus amigos crescerem também. Tenho raiva e não digo, e quando digo, falo demais. Por enquanto, trabalho no que eu não gosto, mas tento fazê-lo feliz, tenho medo de altura, gosto de ficar sozinho pra pensar e pra ficar confuso, não como o que não gosto, me apego e fico bobo e acordo de vez em quando de madrugada, já quis fugir pra algum lugar bem longe, quero um dia morar sozinho antes de morar com a minha mulher, odeio comer de colher, vou pra escola sozinho desde oito anos, às vezes pegava carona pra voltar da faculdade, já quis ter mais idade, já tenho cabelos brancos (muitos), já deixei o recheio pro final, já meti a colher na boca e depois botei no doce de novo, já debochei de quem não gosto, já comi o que não gosto quando fui visita, já levei marmita, já peguei chuva por querer, já brinquei de pique, já compus uma modinha, já plantei feijão no algodão dentro do potinho de danoninho, já corri pro nada, já bebi todas, já me achei o mais lindo, patenteei algumas estrelas, já peguei carona na calda do cometa, já fiz careta de dentro do ônibus, já joguei bolas de papel no pessoal que sentava na frente, já fiquei doente e pensei que iria morrer, já senti curiosidade da morte, já peguei uma maré de sorte, já tive um vídeo-game, já roubaram minhas bolinhas de gude, só durmo sem camisa, não gosto de sapato, escuto música pra dormir, outras vezes vou dormir pra escutar música, vez ou outra tenho inveja, conto piadas leves pra minha avó, quis ser amigo do meu avô na época que o meu avô era menino, chamava minha mãe quando fazia cocô, pedia um tempinho a mais pra ficar festinha na rua, já fiz chantagem e sacanagem, já morei onde nunca quis, já olhei pro próprio nariz, já cobicei a mulher do próximo com o próximo próximo, já inventei palavras em inglês, já quis ser famoso, quero morar perto da praia, já quis ficar na barra da saia, já cortei revistas pra fazer pesquisa, já colei nas provas da faculdade, já olhei nos olhos e falei a verdade, já fiz tempestade em copo d’água, já bebi a água que o passarinho não bebe, já ajudei a trocar o telhado, já me arrebentei fazendo mudança, tenho saudade sem ter despedida, já fiz planos com a menina desconhecida, já quis largar tudo de mão, já arrumei confusão, já fui injustiçado, já magoei alguns queridos, já pedi desculpas, já tive muita culpa, já fui sem querer ir, estou aprendendo a cair, já quis chamar atenção, tenho um irmão, já quis ter um cão, já enfeitei o pavão, já enchi lingüiça, sou o rei da preguiça, não gosto de filme de terror, já plantei bananeira, já conversei com o dentista de boca aberta, adoro cinema nacional, admiro quem tem senso de humor, não suporto sentimento de conformismo, já conheci pessoas incríveis, umas inesquecíveis, já enfiei o pé na jaca, já fiz papel de babaca, já saí em comboio, já saí do Estado, já fui bonitinho arrumado, já agüentei calado, adoro cheiro de chuva, já perguntei do banco de trás se faltava muito pra chegar, já tentei fumar e achei o gosto pior que o cheiro da fumaça, já ri da alheia desgraça, já tive pena e não pude ajudar, já ajudei e não resolvi o problema, já pulei no show, já cantei em coro, já pulei o muro pra pegar a bola na casa do vizinho, já fui baixinho, já soprei bolinhas de papel pelo cano da caneta, já impliquei com a menina quieta, já achei que tinha razão em tudo, já dei soco no muro, já perguntei “por que?” dez vezes seguidas, já tive recaídas, já fiquei muito barbudo, já fiquei irritado e mudo, já quis acabar com meio mundo, já comi, sob protesto, camarão na praia, já andei com pessoal estranho, já falei errado pra me enturmar, já disse Oxalá, adoro a palavra bacana, quero ter grana suficiente, não vejo a hora de ter um carro, de botar os amigos dentro e tirar sarro, de gritar na rua em dia de chuva, já comi a massa crua do bolo na forma da batedeira, já tomei chá de folha de laranjeira, já tive verme, piolho e outras nojeiras, já bebi água da bica, já fiquei com mulher feia, já prescrevi remédios na camaradagem, já colhi fruta no pé, já disse que minha mãe é a mulher mais bonita do mundo, já acordei de manhã sem saber onde estava, já fui chamado de sujismundo, já fiquei de recuperação, já pensei com o coração, já falhei, já tive medo de ficar sozinho, já pedi e não recebi, já raspei toda cabeça, já vesti bermuda até a canela, já mexi com os outras pessoas da janela, já fiquei de castigo, já briguei com amigo, já tivemos uma senhora trabalhando lá em casa, já passei por apuros, já quis ser forte, já fui assaltado, já me meti em cilada, já pichei muro, já roguei praga, sou cético, já caí da escada, já fiquei com o rosto vermelho de vergonha, já cheguei de madrugada quando não podia, já falei sozinho na rua, já apanhei da minha mãe, já tive medo de assombro, já toquei campainha e corri, já usei óculos, preciso usar aparelho nos dentes, tenho soluço quando tomo refrigerante, minha barriga dói quando fico aflito, Deus pra mim é um grande mistério, já cheguei por último e fui a mulher do padre, já caí em tentação, aumentei o volume ao máximo e me senti o máximo, já vi o Brasil ser campeão do mundo, já vi o bonitinho renunciar, já vi o barbudo ser presidente depois de sair da sarjeta, já ouvi falar em dinheiro na cueca, já votei pensando estar fazendo a coisa certa, já descobri que votei no cara errado, já fui mal acabado, já quis montar num cavalo alado, já quis pecar pra ser notado, já mandei cartas e não obtive resposta, já fiquei com cara de idiota, já viajei com grandes amigos, já refleti sobre meus atos, já discordei dos mais sensatos, já quis lembrar de uma palavra e não consegui, já cuspi no prato que comi, já perguntei se o pavê era pra ver ou pra comer, já babei e acho que babo até hoje quando durmo, já joguei botão sozinho e narrei os gols com emoção, já deixei resto de refrigerante na garrafa pequena, já gravei música pela metade em fita cassete, já disse hum quando a comida era gostosa, já bati salve-todos, já coloquei canela no mingau, já levei na canela no futebol, já escrevi até de madrugada, já li livro pra dormir, já coloquei o dedo no ventilador, já fervi água quando o filtro quebrou, confundo o verde como marrom, já fiz e já quis tanta coisa que tenho certeza que me ajudarão a ser alguém. No fundo eu acho que teimo em ser normal, embora, a teimosia ainda não me deixe saber se isso é o certo. Ainda bem. Por hora, por agora e por hoje, fui e sou esse aí de cima e essas são minhas melhores experiências.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Quando o vento bate gelado

Quando o vento bate gelado
Lembra do amor do passado
Que um dia foi brisa, refrescou

Quando o vento bate gelado
Não lava a alma, assopra
Resfria a cicatriz que tempo deixou

Quando o vento bate gelado
Traz à tona o momento bacana
Que um dia a maré levou

Quando o vento bate gelado
Só há uma estação do ano
Estática, fria, sem Sol

Quando o vento bate gelado
Não há nada que aqueça o coração
Nem desculpa, nem perdão

Quando o vento bate gelado
Não adianta mais fechar a porta
Invadiu corpo adentro, penetrou

Quando o vento bate gelado
Há somente a esperança
De que um dia o tempo mude.