quarta-feira, 12 de abril de 2023

Um ateu no avião

Um mero descrente  

Perde parte da existência  

Refutando questionamento 

Sobre sua preferência 

 

Da única vida que acredita  

Deve responder sem ironia  

O que sua alma faria  

Na fatídica hora maldita 

 

Uma gargalhada de criança 

Um orangotango esperto 

Uma rosa no deserto 

Um amanhecer de esperança 

 

Com inspirações tão comoventes  

Não seria mais inteligente  

Indagar o ímpio herege 

Com um indício que se preze?  

 

Entre a treva e a comédia  

Escolher pela tragédia 

Não somente é um equívoco   

Quase beira o ridículo 

 

Por incompetência persuasiva  

O ateu pede perdão  

E reflete em queda livre 

Se o sentido da catarse  

É o crer na aeronave 


Em memória póstuma  

Deixará em manuscrito  

Um poema em redenção 

Contestando o erudito

 

É propósito divino

Incitar a desavença

Do Senhor contra o menino

Que não quer crê em salvação?

 

Não seria hipocrisia  

Alguém ser convencido

Mesmo à revelia

Que será o escolhido?

 

Por que que Diabos é repetido  

Para contrapor uma descrença 

Que Deus prova onipresença 

Só na queda do avião? 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Engasgo

 A fuga do equilíbrio

Entre o silêncio e o grito

Prisão de palavras ditas a esmo

E engolidas sem rito

A solidão do engasgo das frases

Quando cuspir ou regurgitar

É mais do mesmo

Exprimir-se por escrito?

Comunicação em ruído

Textos sem pauta

Perguntas sem interrogação

Não refletem o indivíduo

(Fora da CAIXA ALTA)

Para subliminar o diálogo

De modo menos perverso

Deglute poema

Vomite verso

sábado, 6 de março de 2021

Meu menino

 

Quando algo acontece com meu menino a culpa é minha por não ter acontecido comigo, mesmo quando todos digam que a culpa não foi minha. A culpa é minha por tudo de ruim que acontece a ele, porque quando ele nasceu eu inventei a regra que só eu posso proteger. A culpa é minha de não querer escutar que excesso de zelo é castigado pelo mundo. Dane-se esse mundo chato e cruel, que é visto pela ótica do maldizer. Dane-se esse mundo que ensina os sensatos teóricos como uma criança deve ser criada. Meu menino recebe amor imperfeito bem intencionado. Meu menino cresce malcriado aos olhos alheios, mas recheado de paternidade amorosa. A dor do meu menino dói em mim mais do que qualquer chaga, mais do que qualquer dor. É a dor sentida através da carne que foi concebida por mim. Meu menino é meu porque eu quis e porque eu quero. Ele certamente não me escolheria de progenitor. Ele certamente não escolheria um imperfeito. Meu menino é meu por um querer meu. Meu menino só poderia ser um, só poderia ser ele, só poderia ser Caetano. O menino que cresceu como ele é e será, sempre será o menino que eu sempre quis ter. Porque eu aceitarei, sempre, o que ele quiser ser. Quero meu menino não como uma extensão dos meus erros, mas, tão somente, como uma parte dos acertos que tentei durante a minha vida. Quero um menino poesia-tropicália-bossa nova, mas sempre aceitarei o menino que não queira o que eu quero. Quero que o menino vire o homem melhor que eu. Quero ele tão somente como ele é, até mesmo quando ele não se aceite. Faz parte do aprendizado. Talvez seja esse o significado do amor. Talvez. Porque esse amor, que passa de mim para quem veio de mim, eu não sei explicar. Talvez nunca consiga. Talvez seja a certeza que eu não queira enxergar. É o amor que briga e se arrepende no minuto seguinte. É a vontade de proteger vinte e quatro horas por dia, mesmo sabendo que é impossível. É ouvir que você é chato e querer continuar a ser chato. Meu amor pelo meu menino não arruma malas, não se muda, não desiste e não desnuda. É o amor persistente. Sempre. Mesmo quando eu brigo, mesmo quando ele vira os olhos, mesmo quando os dois dedos indicadores se encontram em ponta, indicando que estamos de mal. Meu coração está de bem. Por dentro fica dilacerado, pois quero brincar com meu menino e quero ver sorriso com covinhas. Meu menino não sabe, mas quando me chama de papinho minha energia renova, recarrega por mais alguns dias e reconsidera meus erros com intuito de acertos. Meu menino é para mim a vontade de acertar (equivocada) materializada em outro corpo. Um erro. Meu menino deve ser a conjunção do que absorve de experiência, não só de mim, mas desse mundo chato, cruel e louco, mesmo que na minha percepção mais egoísta, ele seja só meu.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Imperfeição


Guarda os brinquedos
Arruma o quarto
Brinca quando terminar o dever
Vai ficar sem assistir televisão
Não bate a porta do quarto
Já pode ir sozinho para escola
Não sou seus coleguinhas
Vai ficar depois da hora
Você não é todo mundo
Se não estudar não vai ser ninguém
Não é todo mundo que vira jogador de futebol
Quem não fala inglês não vai ser ninguém
Chutou o chão de novo?
Precisa fazer curso de informática
Na escola pública só uns se salvam
Precisa passar na escola técnica
Segundo grau é diferente
É muito cedo para namorar
Na sua idade eu tinha cinco namoradas
Tá pensando que você é quem?
Tem que passar em concurso público
Vai ter que ajudar em casa
Não leva nada a sério
Não chega tarde
E a faculdade?
Não sei que história é essa de beber
Terminou de novo?
Quem é essa garota?
Esqueceu os amigos?
Você prefere seus amigos
Vai viajar de novo?
Você não cresce
Por isso não dorme
Quero ver quando tiver filho
Não vai casar?
Só quer fazer as mesmas coisas
Casou cedo demais
Nessa idade são uns anjos, vai ver quando crescer
Só pode estar de sacanagem
Não sei como ela te atura
Você não muda
Pega seu filho todo final de semana?
O Flamengo não paga suas contas
Tá sumidão
E aí, meu chapa, esqueceu que tem vó?
Vai beber de novo?
Só leu três livros esse ano?
Não sai do celular
Que barriga é essa?
Você não era assim
Gastou dinheiro à toa
Não se pode falar nada com você
Na minha época isso tinha outro nome
Tá acostumando ele mal
Nunca vi homem que não dirige
Poesia é coisa de viado
Nunca quer fazer nada
Tá cheio de cabelo branco
Só vai ter um filho?
Não se pode te pedir nada
Você tá exagerando
Não sabe beber
Já viu teu e-mail?
Não enrola a menina
Já reparou que o dente dele tá torto?
Vai pra Cuba então
Só você mesmo
Ninguém pode te contrariar
Tá dando mole, hein
Quem você pensa que eu sou?
Não esquece a reunião
Só espero que você reflita
Ele não parece com você
Parece um velho
Pra isso você tem dinheiro
Quero ver ser ateu no avião caindo
Tudo eu tenho que pedir
Tá com pena, leva pra casa
Por isso que vive doente
Só vive de greve
Não aguenta pressão
Tá me pressionando
Queria ver se fosse sua mãe
Pra isso você arruma tempo
Tá cansado de quê?














quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Reticentemente

Três pontos despretensiosamente enfileirados
Reticentam uma esperança
Sabem o que querem dizer
E intencionalmente desdenham de sua importância
Travessos, chacotam ao que se propõem
Quando omitem o não dito
Escondem-se atrás das entrelinhas do subentendido
E tornam seu significado mais erudito

A divindade dos poetas  
É religiosamente materializada em palavras nuas
Após algumas doses de rima
Despe-se sem vergonha
Psicografa versos sinceros
E faz charme proposital
Para o pronome possessivo

Seres do acaso gramatical
Dormem ao relento
Cochilam no ombro de uma inocente vírgula
Que muda todo o rumo da ortografia celestial
Entre os delírios de sonhos imperfeitos
As orações permanecem sem sujeitos

Vil escritor trôpego e socialista
Que aprende a cada dia
Não julga porque vacila
Não caminha com os pés alheios
Não adivinha a intenção do autor
E mente, evidentemente
Mas sabe que o sabor do pecado da maçã
Faz paraíso nas entranhas da serpente

terça-feira, 27 de junho de 2017

Tudo é poesia

A poesia das coisas está em tudo. Críticos vorazes apequenam-se na rigidez do julgamento ao tachar que o poeta é menos poeta quando rima o clichê amor com dor. Quem somos nós para dizer o que é certo no mundo das incertezas? O poema triste não fará do poeta fingidor um falso melancólico. Um poema pode ser chato quando se dodecassílaba só de implicância. Somente para fazer birra Alexandrina com palavras simples que não se sonetam. Não julguemos o poeta, pois a poesia não escolhe atravessadores baratos, não credencia o autor inapto, não incorpora notáveis, não impede a ressaca, não destitui o amor. A poesia não tem o que a poesia não é. Poesia é eclesiástica mesmo na dança ritmada do cabaré. É fruta suculenta que une e lambuza os corpos na hora do prazer. A poesia é bendita. A poesia quando está por baixo da saia da mulher bonita, sussurra, nunca grita. Poesia é poder equidistanciar a desconfiança de Bentinho com a emoção de comemorar um gol do nosso time. A poesia é falada, cantada, visual e olfativa. De que forma importa? Poesia é o todo do tempo no exato momento que cisma em ser. Poesia está no braço pequeno do meu pequeno quando me abraça, involuntariamente, enquanto dorme. Poesia é Quintana disfarçado de Deus. É criador e criatura. É banho de sal grosso no corpo que tempera a pele só para proteger. É sinal de crucifixo antes de sair de casa, é mandinga para o amor que já foi, é café com leite de manhã bem cedinho. Poesia é Vinícius tatuado no braço, Caetano impregnado na vida, Chico na recaída, suor frio na dor de barriga, moeda contada na padaria, vontade de chuva na hora da febre e dedo na boca quando há sangue no corte. Poesia é ser forte. Poesia sou eu, prendendo você, na simples vontade de chegar até aqui insistindo em me ler. 



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Boas intenções

Tenho más notícias.
Vou adoecer...
Minha vida amorosa será instável
Brigarei com alguns amigos
Terei vontade de largar a lida
Perderei entes queridos
Vou morrer...
...ainda nesta vida.

E não será por vontade alheia que
Padecerei no paraíso
Surgirão minhas mazelas
Perderei o juízo
Ou emergirão as querelas

Tudo que de ruim me acontecer
Será causa, motivo, destino e defeito
De ser humanamente imperfeito

Porém, rogo aos poetas
Que ao contrário do ódio
A candura da ode
(Independentemente da fé)
Transcenda-me em pétalas
Em jardins de lirismo
E bondade egoísta
De só florescer bem me quer