segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mulher

Mulher pra mim, deve ser daquele tipo:
Mulher-mulher.
Mulher natural que sabe o que quer
Mulher que tem celulite
Mulher que sabe onde o calo aperta
Mulher que faz drama
E transforma qualquer resfriado em sinusite
Mulher pra mim, deve sempre fazer promessas
Mulher que diz que está gorda
Que angaria elogios, mas disfarça
Mulher pra mim, deve ter estrias
E deve dizer que as odeia
Mulher pra mim, deve ser daquelas
Que não está satisfeita nunca
Mulher deve ser insegura na TPM
Deve dormir com o rosto cheio de creme
E deve nos assustar com aquelas rodelas de pepino nos olhos
Mulher pra mim, deve odiar academia
Mas tem que dizer que vai começar a ginástica no mês que vêm
Mulher pra mim, deve comer muito chocolate no frio
E mentir pra si que vai recomeçar a dieta toda segunda-feira
Mulher pra mim, tem sempre que dissimular ingenuidade
Pois no fundo são sempre mais sábias que nós
Mulher deve chorar sem motivo
E logo em seguida, fazer brotar um sorriso
E eu? Ah, eu rio sozinho pra essa mulher
Mulher pra mim, dever ser independente
E depender da gente
Mulher pra mim, sempre deve disfarçar
Deve implicar de propósito
Deve dizer pra eu beber menos
E rir de mim pelo canto da boca quando eu estiver com raiva
Mulher pra mim, deve ser dura
Mas tem que saber fazer as pazes sem perder o orgulho
Afinal de contas, na maioria das vezes a culpa é nossa
Mulher pra mim, deve demorar horas no shopping
Mesmo sabendo que isso irrita
Mulher pra mim, tem que comer o que quer
E daí? Mulher pra mim, tem que ser assim
Uma pitada de sal, apimentada por dentro,
Uma dose de mal, um cheiro verde, um coentro
Um molejo caseiro, fazer amor ao relento
Enfim...
Mulher pra mim, tem que ter tempero
E, definitivamente, deve ser, sim, desse tipo:
Mulher-mulher
Que chega quando convém
E vai quando bem quer.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Sempre contigo

Por que não me abre as portas?
Prometo que descalço pra não sujar teu chão,
Que não abro tua geladeira,
Que não dou um gole da tua meia garrafa d’água,
Que disfarço quando a vontade dos beijos surgir,
Que saberei a hora certa de partir.
Melhor que isso, não prometo mais nada daqui por diante;
Nem equilíbrio, nem respiração ofegante;
Basta-me, por agora, querer ser o ar que te falta
por baixo dos escombros do teu orgulho;
Ser a injeção de ânimo
nos teus momentos de frustração;
Dar-me de corrimão pro teu vacilar;
Ser o chiado pedindo silêncio
quando o barulho da rua invadir teus momentos de calma;
Saber que um dos critérios de se estar feliz
É te fazer feliz;
Jamais quero ser o homem dos teus sonhos;
Reivindico apenas a possibilidade de sonhar contigo;
De acordar com teu grito e ser salvação das tuas trevas;
De discordar de ti para que enxergues uma segunda opinião;
Ser teu pra sermos nós;
Filtrar do revés os prós;
Ser o sopro que guia o cisco do teu passado pra longe de ti;
E viajar na suavidade dos bons ventos;
Obedecendo ao velho e bom tempo;
Sempre contigo, ao menos no pensamento.

domingo, 14 de outubro de 2007

O inusitado e o premeditado

O premeditado fica abismado só de imaginar que o inusitado deixou acontecer como tinha de ser. O inusitado ao ser indagado: “Por quê?”, apenas disse: “Não sei, aconteceu”. E isso foi assunto para incontáveis panos que jamais resultaram em uma manga sequer. Entre ambos, permanecem divergências quase eternas que percorrem a vida destes personagens tão freqüentes em dúvidas que sempre nos assolaram. O inusitado caminha sem saber se a pedra de Drummond estará no meio caminho, enquanto o premeditado não sabe se desvia, se avisa, se chuta, se vai, mas sabe o que há e o porquê de talvez evitar.
Os mistérios do beijo do inusitado é descoberto no percorrer da língua, o desenrolar da história fica pra depois do que acabará de acontecer, se é que irá acontecer, por outro lado, o premeditado sabe qual história merece um findar digno de filme e qual o motivo do pequeno conto jamais tornar-se uma história. O premeditado questiona a todo o momento como se pode opor ao pensamento, de cometer e depois fazer um pós-julgamento, de não se evitar a lágrima de lamento. O inusitado, aparentemente inocente, diz que pensa, mas pensa no exato momento, que o cometer pode ser comedido e que, por fim, acha que o pós é conseqüência lógica de tudo, até do preestabelecido. O premeditado sabe que tudo isso já deveria ter sido escrito, para que gerasse um conflito, e assim, transformar o inusitado em mito. Em conseqüência do destino, o inusitado perguntou: “Se era pra acontecer mesmo, por que hoje? Talvez não haja uma razão, talvez alguém que não esteja na história precise saber”.

domingo, 30 de setembro de 2007

Opção

O que mais te apetece
Uma palavra, uma música, uma prece?
O que de fato acontece
Recaída, despedida, estresse?

Um tiro pro alto
Um murro na ponta da faca
Ser refém de um assalto
Um doente na maca

Nada me aborrece
Caso eu seja a opção;
A escolha que prevalece

No banho depois do almoço
No chinelo virado
Da manga ao deleite

domingo, 9 de setembro de 2007

Setembro

Querer ser a regra
Que foge da tua exceção
Escapa-me da mão a cada dia

Sobrepor a razão
Que estilhaça o coração
É esperança que não deixa
A emoção virar utopia

Ah, essa tua regra!
Regra de três
Rega de fato
Inunda de vez

Ah, esse mês!
O qual completo mais uma primavera
Tomara haja flor no chão Outubro
Herdado do triste Setembro adubo

(Esse mês que não passa)

Hoje, Carpe diem
Ficou pra amanhã
Por enquanto não há flor
Somente capim

sábado, 1 de setembro de 2007

Piá

Piá

Pega o garoto que corre na rua
Que arranha a carro
Que grita em coro com outros moleques
Pra eu me danar

Acode o palhaço que sem intenção
Confiou no garoto
A cuidar do seu troco
E deu pra menino o que de comer

Safado pivete que o fez de palhaço
Juntou todo troco, pôs tudo no bolso
Esperou o momento, deu pernas ao vento
E foi pra Mangueira sambar

Pagou a cerveja, deu trago no fumo
Comprou roupa nova, jeito de gatuno
Que faz de propósito pra se rebelar

Coitado menino
Já não tem mais grana
Nem roupa bacana
E procura o palhaço sem motivos pra rir

Ah! Ele não vai pra escola
Só a cartilha da rua faz o menino viver
Ah! Ele nem tem família
Com os rivais faz guerrilha
Por prato de feijão

Mas esse menino é destemido
Tem truque nas cartas, se esbalda na Lapa
Vira a garrafa de pura cachaça
E já não recorda o que o fez chorar

Pretinho nojento do pé barrento
Joga bola no morro todo grudento
Dá caneta no chefe do movimento
E consegue o respeito de todos de lá

Garoto, safado, menino, moleque
Pretinho, marrento, piá, pivete
Que leva essa vida sem ter recaída
Por que se cair, quem o vai levantar?

É expulso dos planos da grande massa
Não entende o que passa
Só sabe que sofre
Com a distância daqueles de perto do mar

No calçadão de Ipanema
Rebola a ruivinha de pele macia
Que bunda gostosa!
E deixa o menino por hora contente
Que o faz sentir gente de igual pra igual

Garoto, safado, menino, moleque.
Pretinho, marrento, piá, pivete
Que leva essa vida sem ter recaída
Por que se cair, quem o vai levantar?

Garoto, safado, menino, moleque
Pretinho, marrento, piá, pivete
Que leva essa vida sem ter recaída
Por que se cair, quem o vai levantar?

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Sujeito

Sou sujeito sem muitos predicados
Meus objetos são indiretos
Às vezes ocultos, outras indeterminados
Contudo, sou substantivo

Quando quero fazer-me entender
Minhas palavras ficam entre vírgulas
Aposto do que quero dizer
Explico

Nunca tive vocação para vocativos
Nem sei o que quero ser
Acho tudo muito intransitivo
Pra responder tantos porquês

Mesmo que pareça pecado
Tenho dúvidas do sagrado
Minhas orações são insubordinadas
Sem lei e fé denominadas

Sou homônimo pro nome
Porém único, egoísta com remorso
Pronome possessivo
O seu meu é teu nosso

Num gesto digo muito
Tal instinto animal
Eu soletro sem palavras
No meu jeito não verbal

Meu artigo é indefinido
Nunca lido num jornal
Que me perdoem os instruídos (dependo do sentido)
Ò com crase não faz mal

Na grafia do meu fonema
Pronuncio meus dilemas
Escrevo um conto de criança
Pro adulto ter lembrança

Sou predicado sem sujeita
E não me sujeito a qualquer coisa
Se quiseres uma expressão
Atravesso o diálogo sem travessão