terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cor da pele

É de se espantar como de um tempo para cá as coisas têm caminhado, paradoxalmente, em sentido contrário, porém progressivamente. Confuso. Mas essa é a impressão que tenho. Os direitos que não tínhamos antes, seja para nos manifestarmos, são reprimidos por quem sequer tenha a noção do valor da liberdade de expressão. Corrupção no Governo? Chamem os militares de volta. Por questões cívicas de convivência em sociedade, temos que respeitar, contudo, entender requer uma dose de amnésia moral. Vivemos, ao que parece, a época do retrocesso ideológico, onde a coordenação motora política degringola de vez. Esquerda se endireita em uma total direitização esquerdológica. Fingimos ser apartidários da causa maior e reivindicamos o bem total do eu sozinho, do eu ético, das causas que o eu-fodão julga serem justas. Hoje, a política é ignorada a contragosto do senso crítico e a favor da falsa ideologia do politicamente correto. Temos a importantíssima capacidade de não nos colocarmos no lugar do outro, única e simplesmente, porque consumimos informação que nos convém agirmos como tal. E não há certo ou errado nessa estória, embora as consequências do que se consome venham a longo prazo. Com certeza virão. No final do ano passado, ajudando meu filho de quatro anos (na época com três anos) nas tarefas da escola, em uma atividade de pintura, eu perguntava a ele quais as cores ele deveria pintar os desenhos. Verde, marrom, preto, rosa e, finalmente, ele me disse: cor da pele. Cor da pele? Eu perguntei. Ele me confirmou a informação. Eu botei meu braço do lado do braço dele e perguntei se ele estava vendo a mesma cor. Ele me disse que não e eu o corrigi, no auge do meu daltonismo, que a cor que ele tinha identificado como cor da pele, se chamava bege. Nunca mais passamos por episódios similares, até recebermos a lista de materiais escolares de 2015. Lá estava ela, sorrateira, camuflada entre a o apontador para lápis jumbo e a tesoura para cortar massa de modelar – a tinta acrílica cor da pele. Mais constrangedor que ler esta expressão na lista de materiais, foi ser atendido por um funcionário negro na papelaria. Ou melhor (ou pior), mais constrangedor ainda foi o funcionário achar natural esse tipo de informação. Nem titubeou e colocou o pote no balcão. Não se trata aqui, de querer ser politicamente correto. Não. Trata-se de identificar um ato falho. Por que não pensarmos que trata-se de equívoco linguístico? Fiquei imaginando duas crianças com tonalidades da pele diferentes, com dúvidas em qual cor escolher. Marrom, amarela, preta ou cor da pele? Pele de quem? Cogitamos ignorar a lista e comprarmos uma tinta acrílica marrom. Seria uma atitude radical, mas não a solução para o problema. Acredito que a solução está no que foi escrito antes, sobre a qualidade de informação consumida. Os avanços da sociedade têm sido tão significativos nos últimos anos. Por esse motivo devemos estar atentos e combativos a qualquer tipo de conservadorismos radical e descabido (infelizmente também crescente) a respeito de questões tão relevantes, como: sexismo, racismo, fanatismo religioso ou simplesmente achismos éticos em relação aos outros. Ora,não podemos ignorar que sempre seremos o outro em relação a alguém de opinião contrária. Em tempos de carnaval, matem, queimem, cortem o cabelo dele. Será que ele é M****?

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