É de se espantar como de um tempo para cá as coisas têm
caminhado, paradoxalmente, em sentido contrário, porém progressivamente.
Confuso. Mas essa é a impressão que tenho. Os direitos que não tínhamos antes,
seja para nos manifestarmos, são reprimidos por quem sequer tenha a noção do
valor da liberdade de expressão. Corrupção no Governo? Chamem os militares de
volta. Por questões cívicas de convivência em sociedade, temos que respeitar,
contudo, entender requer uma dose de amnésia moral. Vivemos, ao que parece, a
época do retrocesso ideológico, onde a coordenação motora política degringola
de vez. Esquerda se endireita em uma total direitização
esquerdológica. Fingimos ser apartidários da causa maior e reivindicamos o
bem total do eu sozinho, do eu ético, das causas que o eu-fodão julga serem
justas. Hoje, a política é ignorada a contragosto do senso crítico e a favor da
falsa ideologia do politicamente correto. Temos a importantíssima capacidade de
não nos colocarmos no lugar do outro, única e simplesmente, porque consumimos
informação que nos convém agirmos como tal. E não há certo ou errado nessa
estória, embora as consequências do que se consome venham a longo prazo. Com
certeza virão. No final do ano passado, ajudando meu filho de quatro
anos (na época com três anos) nas tarefas da escola, em uma atividade de
pintura, eu perguntava a ele quais as cores ele deveria pintar os desenhos.
Verde, marrom, preto, rosa e, finalmente, ele me disse: cor da pele. Cor da
pele? Eu perguntei. Ele me confirmou a informação. Eu botei meu braço do lado
do braço dele e perguntei se ele estava vendo a mesma cor. Ele me disse que não
e eu o corrigi, no auge do meu daltonismo, que a cor que ele tinha identificado
como cor da pele, se chamava bege. Nunca mais passamos por episódios similares, até
recebermos a lista de materiais escolares de 2015. Lá estava ela, sorrateira,
camuflada entre a o apontador para lápis jumbo e a tesoura para cortar massa de
modelar – a tinta acrílica cor da pele. Mais constrangedor que ler esta
expressão na lista de materiais, foi ser atendido por um funcionário negro na
papelaria. Ou melhor (ou pior), mais constrangedor ainda foi o funcionário achar
natural esse tipo de informação. Nem titubeou e colocou o pote no balcão. Não
se trata aqui, de querer ser politicamente correto. Não. Trata-se de identificar
um ato falho. Por que não pensarmos que trata-se de equívoco linguístico?
Fiquei imaginando duas crianças com tonalidades da pele diferentes, com dúvidas
em qual cor escolher. Marrom, amarela, preta ou cor da pele? Pele de quem?
Cogitamos ignorar a lista e comprarmos uma tinta acrílica marrom. Seria uma
atitude radical, mas não a solução para o problema. Acredito que a solução está
no que foi escrito antes, sobre a qualidade de informação consumida. Os avanços
da sociedade têm sido tão significativos nos últimos anos. Por esse motivo
devemos estar atentos e combativos a qualquer tipo de conservadorismos radical e descabido (infelizmente também crescente) a respeito de questões tão relevantes, como: sexismo, racismo, fanatismo religioso ou simplesmente achismos éticos em relação aos outros. Ora,não podemos ignorar que sempre
seremos o outro em relação a alguém de opinião contrária. Em tempos de carnaval, matem, queimem, cortem o
cabelo dele. Será que ele é M****?
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